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Tim Vickery: Minha primeira geladeira e por que o Brasil de hoje lembra a Inglaterra dos anos 60

Compartilho uma leitura que fiz esses dias e que achei muito interessante. Creio que ela sintetiza um pouco o momento do nosso país, através da visão de um estrangeiro, já radicado no Brasil faz algum tempo. Espero que gostem.

Por Tim Vickery*

Texto na íntegra em http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/11/151110_tim_vickery_geladeira_brasil_rb

Na minha infância, nossa família nunca teve carro ou telefone, e lembro a vida sem geladeira, televisão ou máquina de lavar. Mas eram apenas limitações, e não o medo e a pobreza que marcaram o início da vida dos meus pais.

Tive saúde e escolas dignas e de graça, um bairro novo e verde nos arredores de Londres, um apartamento com aluguel a preço popular – tudo fornecido pelo Estado. E tive oportunidades inéditas. Fui o primeiro da minha família a fazer faculdade, uma possibilidade além dos horizontes de gerações anteriores. E não era de graça. Melhor ainda, o Estado me bancava.

Olhando para trás, fica fácil identificar esse período como uma época de ouro. O curioso é que, quando lemos os jornais dessa época, a impressão é outra. Crise aqui, crise lá, turbulência econômica, política e de relações exteriores. Talvez isso revele um pouco a natureza do jornalismo, sempre procurando mazelas. É preciso dar um passo para trás das manchetes para ganhar perspectiva.

Será que, em parte, isso também se aplica ao Brasil de 2015?

Não tenho dúvidas de que o país é hoje melhor do que quando cheguei aqui, 21 anos atrás. A estabilidade relativa da moeda, o acesso ao crédito, a ampliação das oportunidades e as manchetes de crise – tudo me faz lembrar um pouco da Inglaterra da minha infância.

Por lá, a arquitetura das novas oportunidades foi construída pelo governo do Partido Trabalhista nos anos depois da Segunda Guerra (1945-55). E o Partido Conservador governou nos primeiros anos da expansão do consumo popular (1955-64). Eles contavam com um primeiro-ministro hábil e carismático, Harold Macmillan, que, em 1957, inventou a frase emblemática da época: “nunca foi tão bom para você” (“you’ve never had it so good”, em inglês).

É a versão britânica do “nunca antes na história desse país”. Impressionante, por sinal, como o discurso de Macmillan trazia quase as mesmas palavras, comemorando um “estado de prosperidade como nunca tivemos na história deste país” (“a state of prosperity such as we have never had in the history of this country”, em inglês).

Macmillan, “Supermac” na mídia, era inteligente o suficiente para saber que uma ação gera uma reação. Sentia na pele que setores da classe média, base de apoio principal de seu partido, ficaram incomodados com a ascensão popular.

Em 1958, em meio a greves e negociações com os sindicatos, notou “a raiva da classe média” e temeu uma “luta de classes”. Quatro anos mais tarde, com o seu partido indo mal nas pesquisas, ele interpretou o desempenho como resultado da “revolta da classe média e da classe média baixa”, que se ressentiam da intensa melhora das condições de vida dos mais pobres ou da chamada “classe trabalhadora” (“working class”, em inglês) na Inglaterra.

Em outras palavras, parte da crise política que ele enfrentava foi vista como um protesto contra o próprio progresso que o país tinha alcançado entre os mais pobres.

Mais uma vez, eu faço a pergunta – será que isso também se aplica ao Brasil de 2015?

Alguns anos atrás, encontrei um conterrâneo em uma pousada no litoral carioca. Ele, já senhor de idade, trabalhava como corretor da bolsa de valores. Me contou que saiu da Inglaterra no início da década de 70, revoltado porque a classe operária estava ganhando demais.

No Brasil semifeudal, achou o seu paraíso. Cortei a conversa, com vontade de vomitar. Como ele podia achar que suas atividades valessem mais do que as de trabalhadores em setores menos “nobres”? Me despedi do elemento com a mesquinha esperança de que um assalto pudesse mudar sua maneira de pensar a distribuição de renda.

Mais tarde, de cabeça fria, tentei entender. Ele crescera em uma ordem social que estava sendo ameaçada, e fugiu para um lugar onde as suas ultrapassadas certezas continuavam intactas.

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Agora, não preciso nem fazer a pergunta. Posso fazer uma afirmação. Essa história se aplica perfeitamente ao Brasil de 2015. Tem muita gente por aqui com sentimentos parecidos. No fim das contas, estamos falando de uma sociedade com uma noção muito enraizada de hierarquia, onde, de uma maneira ainda leve e superficial, a ordem social está passando por transformações. Óbvio que isso vai gerar uma reação.

No cenário atual, sobram motivos para protestar. Um Estado ineficiente, um modelo econômico míope sofrendo desgaste, burocracia insana, corrupção generalizada, incentivada por um sistema político onde governabilidade se negocia.

A revolta contra tudo isso se sente na onda de protestos. Mas tem um outro fator muito mais nocivo que inegavelmente também faz parte dos protestos: uma reação contra o progresso popular. Há vozes estridentes incomodadas com o fato de que, agora, tem que dividir certos espaços (aeroportos, faculdades) com pessoas de origem mais humilde. Firme e forte é a mentalidade do: “de que adianta ir a Paris para cruzar com o meu porteiro?”.

Harold Macmillan, décadas atrás, teve que administrar o mesmo sentimento elitista de seus seguidores. Mas, apesar das manchetes alarmistas da época, foi mais fácil para ele. Há mais riscos e volatilidade neste lado do Atlântico. Uma crise prolongada ameaça, inclusive, anular algumas das conquistas dos últimos anos. Consumo não é tudo, mas tem seu valor. Sei por experiência própria que a primeira geladeira a gente nunca esquece.

*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick

Abraços

Dakir Larara


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As discussões sobre o código florestal II

Por Luis Nassif

No post anterior sobre esta temática, apresentei os argumentos do deputado Aldo Rebelo, relator do projeto de lei do novo Código Florestal. Vamos aos argumentos contrários dos ambientalistas, levantados por Bruno de Pierro, da Dinheiro Vivo.

O ponto central de discórdia é a confusão de duas situações distintas: o desmatamento que já ocorreu e o desmatamento futuro. Segundo Aldo, não haverá nenhuma tolerância com qualquer desmatamento que tenha ocorrido após a lei ter definido crimes ambientais. Antes disso, não havia crime.

Houve períodos da história em que punia-se quem não desmatava, pois significava não explorar economicamente a terra, explica ele. O que se discute é o que se fará com as propriedades que desmataram antes, que vão desde a colonização do Mato Grosso nos anos 30, do Paraná nos anos 50 até a da Amazônia nos anos 70.

Não preservação das matas ciliares

Para Philip Fearnside, do INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), o principal impacto do novo código será a redução de matas ciliares, segundo ele, o principal fator das inundações que ocorreram em Alagoas, Pernambuco e Rio de Janeiro recentemente. Em relação ao reflorestamento das margens do rio, Jean Paul Walter Metzger, da USP, considera que a faixa mínima deveria ser de 100 metros de cada margem a partir da maior área alagada do rio.

Segundo Aldo, se ampliar a metragem ou considerar como ponto de referência a área alagada, inviabilizará toda propriedade rural – já que agricultura sempre se desenvolve na beira de rios – principalmente as pequenas, que são cultivadas de forma intensiva

As reservas legais

Para Thomas Michael Lewinsohn, da Unicamp, o novo CFB praticamente extingue as Reservas Legais (RL), ao liberar 90% das propriedades rurais de sua conservação. A defesa de Aldo é que são pequenas propriedades que seriam praticamente inviabilizadas caso expostas à lei anterior. Novos desmatamentos não serão tolerados.

Anistia

O principal prejuízo, diz Fearnside, é o descrédito do estado de direito, ao determinar a anistia aos proprietários de terras multados por desmatamento

A posição de Aldo é a de que as multas seriam suspensas até que o governo soltasse um decreto regulamentando o que poderia ou não ser plantado em APPs (Áreas de Preservação Permanente). Não se prevê anistia a quem desmatou depois que a lei de crimes ambientais foi promulgada.

A substituição das florestas

Segundo Fearnside, qualquer abertura para substituir as reservas legais de florestas em propriedades na Amazônia por plantações de espécies como, por exemplo, o dendê, traria enormes prejuízos ambientais.

Lewinsohn, da Unicamp, lembra que o novo código não fixa nenhuma proporção mínimo de preservação ou recomposição de vegetação nativa e a exploração econômica dessas áreas será feita conforme parâmetros estabelecidos por cada Estado ou município. Dessa forma, as RL deixam de ser reservas de serviços ecossistêmicos e de proteção ambiental.

Segundo Aldo, essa regra vale apenas para a situação atual, para aqueles casos anteriores à lei, em que houve desmatamento. Em hipótese alguma se prevê qualquer leniência com novos desmatamentos.


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As discussões sobre o Código Florestal

Achei interessante esse texto que resume, de certa forma, algumas das muitas discussões que envolvem o novo código florestal. Vale a leitura!

Por Luis Nassif

Ainda há enorme balbúrdia em torno do novo Código Florestal.

Vamos tentar fatiar a discussão, para entender melhor o assunto.

Hoje, a versão do deputado Aldo Rabelo, relator do projeto. Amanhã, as ressalvas dos ambientalistas

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O nó da questão são as APPs (Áreas de Preservação permanente) – beira de rio, encostas e topo de morro.

Toda a confusão reside no cipoal de leis sobre o setor e na tentativa de retroagir as últimas leis, diz Aldo. No código de 1954, por exemplo, as APPs começavam em 5 metros da margem do rio e iam até 100 metros. No governo Sarney, os 5 metros passaram para 30 e os 100 para 500. Quem estava legalizado no código antigo tornou-se ilegal e criminoso ambiental no novo código.

Agora, diz Aldo, pretende-se que em riachos as APPs tenham 30 metros da margem e no Vale do São Francisco 500 metros. Não sobrará nenhuma propriedade agrícola legal, diz ele.

Agricultura é historicamente um fenômeno de beira de rio, explica Aldo. Apenas na Austrália se adota a metragem para preservar das bordas do rio. Mesmo assim, vai-se de 5 a 20 metros, contra 30 a 500 metros da proposta brasileira.

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Em 1998 foi promulgada uma Lei de Crimes Ambientais aumentando para 80% a reserva legal ( RL) na Amazônia, por exemplo. A lei anterior permitia 50%. Da noite para o dia, o agricultor precisaria reconstituir 30% da propriedade – a um custo de R$ 9 mil a R$ 12 mil o alqueire – para não ser enquadrado como criminoso ambiental.

Quando governo regulamentou, órgãos ambientais e MP começaram a autuar.

Percebendo que a quase totalidade das propriedades agrícolas ficariam ilegais, em junho de 2008 o governo editou o decreto 7029 (reeditado em dezembro de 2009) suspendendo as multas de quem não averbou sua RL e quem desmatou as APPs antes da lei. Esse decreto expira em 11 de junho.

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No novo código, resolveu-se o problema da reserva legal.

Os grandes – especialmente no setor de reflorestamento – resolveram seus problemas em um pacto com ONGs da área ambiental. Poderão constituir a RL em outros locais, mesmo em outros estados, desde que no mesmo bioma. Pequenos agricultores, com até 4 módulos de propriedade, estão fora da obrigatoriedade de reconstituir a RL.

Os médios e grandes vão poder somar a RL com as APPs. Deverão recuperar até 20% da área total na Amazônia e 35% no cerrado.

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Em relação às APPs, os pequenos ficaram órfãos, diz Aldo.

Se toda plantação em APPs for considerada ilegal, apenas em São Paulo se teria que arrancar 3,5 milhões de hectares em cana, feijão, café. Tem que haver uma regulamentação dizendo o que pode e o que não pode ser mantido em APPs, diz Rabello.

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Acolhendo sugestão do governo, Aldo colocou no relatório que nenhuma situação estaria consolidada até governo colocar no relatório o que pode e o que não pode ser plantado. A oposição aproveitou a deixa e mudou os termos: tudo está consolidado (isto é, isento de multas) até governo fazer decreto.

Agora se está em um impasse. O governo quer que Aldo apresente uma relação do que pode e não pode ser plantado em APPs; sobre ela, o governo fará suas alterações. Aldo quer que o governo defina.